ENTREVISTA CONCEDIDA PARA O JORNALISTA FERNANDO POFFO EM 30-03-2019
Marbras et Mundi desde 1999 batalhando pela renovabilidade no surfe
1) Como surgiu a ideia de estudar esses resíduos especificamente? Qual
foi a maior surpresa do estudo?
O embrião dessa ideia surgiu em 1985 quando produzia pranchas com um
amigo e não me conformava com o impacto ambiental gerado pelos resíduos
químicos gerados na produção de pranchas de surfe. Nessa ocasião usei resíduos
pulverizados de poliuretano (PU), fibra de vidro e resina de poliéster
misturados com cimento e areia para cobrir o piso da oficina, que era numa casa
de dois andares, onde obtive feedback positivo da moradora do primeiro andar,
em relação ao isolamento acústico (e também térmico) da edificação que melhorou
substancialmente. Também nesse ano consegui fazer com um amigo o isolamento de
um estúdio de gravação com os resíduos das pranchas, tudo feito de forma
empírica e experimental. Depois evoluiu
em mais dois momentos: o primeiro quando trabalhei na Clark Foam em 1989/90, onde
tive oportunidade de fazer o meu primeiro experimento de uma blenda de PU
reciclado, que serviu de matéria-prima para a produção de uma miniatura de uma
prancha com material recuperado e dez anos depois quando iniciei a jornada do
Projeto Marbras et Mundi e fui buscar conhecimento científico para fundamentar
a iniciativa, a princípio realizando entrevistas com químicos e engenheiros e
posteriormente realizando mestrado na engenharia ambiental da UFSC, que gerou a
dissertação: Alternativas de Recuperação dos Resíduos Sólidos Gerados na
Produção de Pranchas de Surfe, onde foram feitos diversos experimentos de
produtos utilizando os resíduos das pranchas de surfe como matéria-prima de segunda geração econômica ou
carga.
A maior surpresa foi identificar no mercado um aditivo
antichamas, que me possibilitou utilizar com segurança, os resíduos de pranchas
de surfe, na produção de blocos e outros artefatos de concreto.
Paulão com galera da Clark & Bennett Foam em 1990
2) Como é o trabalho da Marbras Et Mundi?
O projeto vem desde 1999 desenvolvendo um sistema de gestão ambiental,
com o propósito de minimizar a geração dos resíduos, o consumo de água e
energia nos processos produtivos, por meio do emprego da tecnologia de produção
mais limpa. Foram criados também um protocolo específico de medicina
ocupacional para esta atividade, sistemas de controle da poluição nos processos
produtivos e alternativas de recuperação dos resíduos não elimináveis da
produção das pranchas de surfe. A ideia está centrada em consolidar um processo
de certificação ambiental nas fábricas de pranchas, gerando benefícios
econômicos, sociais e ambientais. Atualmente pela falta de subvenções, o
projeto prossegue com pesquisa científica e produção de protótipos.
Paulão surfando com sua 6'2" Roberto Ribeiro, com bloco de EPS reciclado
3) O surfista e o shaper têm uma conexão especial com a natureza e
muitos participam de ações de limpeza de praias e tudo mais. Mas não é comum o
engajamento com essa questão do resíduo das pranchas, tanto na fabricação como
no descarte. Por que você acha que isso acontece?
Primeiro pela falta de fiscalização, porque todos os resíduos químicos sólidos,
as emissões (gases) e os efluentes (água contaminada) resultantes dos processos
produtivos das pranchas de surfe são considerados pela NBR 10.004 (ABNT)
perigosos, pelo seu potencial tóxico, carcinogênico, inflamável e perfurocortante. Nas oficinas de pranchas de surfe, a maioria
dos trabalhadores não usam equipamentos de proteção individuais adequados, um
sério problema de insalubridade no ambiente de trabalho, porque o risco de
malefícios para o organismo humano é uma realidade e já foram registrados casos
de câncer e enfisemas pulmonares em indivíduos sujeitos a intensa exposição.
Como estas descargas não são recuperadas e destinadas para lixões ou aterros
simples, que não oferecem controle ambiental, os materiais contaminam e
percolam pelo solo provocando danos ambientais irreversíveis nos mananciais
subterrâneos e mais a descarga de poluentes atmosféricos.
Tabela que estratifica os resíduos gerados em cada etapa de produção de uma 6'
Segundo porque vivemos em uma sociedade viciada, que tem muita
dificuldade em aceitar a cultura industrial com características renováveis,
pois o que impera é a preponderância exclusiva da variável econômica, onde o
social e ambiental não são cogitados nos projetos empresariais e finalmente porque
no surfe prevalece um comportamento hedonista...
4) Na sua opinião qual o melhor destino que se deve dar a EPS e PU em
uma fábrica de pranchas? O que precisa ser feito para que comecem a fazer esse
trabalho?
O melhor destino sem dúvida é a reciclagem não só pelo viés ecológico,
mas também pelo social e econômico, porque está mais do que comprovado que a
cadeia econômica da reciclagem gera oportunidade de trabalho e renda e hoje em
dia com as máquinas de shape, o processo de recuperação dos resíduos de EPS e
PU ficaram mais simplificados, porque o material gerado pela usinagem dos
blocos já sai na granulometria ideal para ser empregado nas tecnologias de
valorização dos resíduos de pranchas de surfe. Entretanto, como ainda não
dispomos de consolidadas usinas de reciclagem de EPS e PU, a melhor forma de
deposição final de todos os dejetos industriais gerados nessa atividade fabril é o aterro industrial, que dispõe de recursos de engenharia para aterrar resíduos
perigosos sem impacto para o ambiente.
Bloco de PU reciclado
5) Qual o melhor destino para uma prancha velha ou quebrada?
A criatividade é infinita! Tecnicamente falando podem ser pulverizadas e
empregadas como carga em diversos processos industriais de produtos fabricados
em larga escala, como piscinas, mantas asfálticas, artefatos de concreto,
piscinas e caixas d’água de fibra de vidro, entre muitos outros.
São materiais riquíssimos que podem ser transformados em belas obras de
arte, manufatura de tabuletas, painéis, móveis, pranchas de body surf, raquetes
de frescobol, shapes de skate, bancadas, prateleiras...
6) Quais as melhores alternativas para quem quer uma prancha que não
seja feita de EPS e EPU?
Hoje em dia existem biopolímeros que minimizam os impactos, porém os
plugs ainda não foram desenvolvidos o suficiente para manterem a mesma conformidade
do PU com tolueno de isocianato, porque não propiciam um desbaste homogêneo. O PU
e EPS são recicláveis, mas os processos são complexos e demandam eficiente e onerosa
logística reversa e são processos técnicos que não permitem improvisações.
As pranchas com fibras vegetais (bambu, linho, agave, balsa...)
ideologicamente seriam ideais, afinal de contas sua descarga pode ser
compostada, mas novas variáveis despontam nesse rumo. No aspecto do desempenho,
essas pranchas nunca chegaram aos pés das tradicionais de PU e também as de
EPS. Mais dois aspectos inquestionáveis são vislumbrados, o primeiro é o plano
de manejo sustentável que deveria ter sido feito há pelo menos 10 ou 20 anos
atrás e não foi feito e pelo que me consta não existe nenhum manejo em voga de
nenhuma das fibras utilizadas, a não ser o bambu que cresce naturalmente quase
como mato.
O outro aspecto é diretamente econômico e indiretamente ecológico e se
chama escala de produção. Imagina se de uma hora para outra toda a nação
mundial do surfe se contamina com o vírus 'verde' e resolve surfar com pranchas
de fibras naturais. Em pouco tempo as espécies vegetais se extinguiriam não
teríamos material e a demanda não seria atendida...
A minha busca como pesquisador e ativista da responsabilidade ecológica
na indústria do surfe hoje em dia, sem abandonar os trabalhos já desenvolvidos
é a de perseguir e encontrar a 'quartaessência',
nome cunhado para inventar materiais e sistemas produtivos distintos dos já
praticados (EPS, PU e fibras vegetais) utilizando insumos sintéticos e biodegradáveis,
com conformidade que se equiparão ou superarão
o desempenho e as propriedades das pranchas feitas com PU e EPS.
Coleta de resíduos de pranchas de surfe para experimentos
7) Você indicou a produção de concreto com os resíduos de EPS e EPU.
Quais outros produtos podem ser feitos, que você conhece com esse material
reciclado das fábricas?
Já realizamos diversos protótipos de empregar os resíduos como
matéria-prima para artefatos de concreto (blocos, vigotas e guias de calçada),
blocos reciclados de PU e EPS para pranchas de surfe ou placas de isolamento
termoacústico para lajes pré-moldadas, sancas, molduras, boias para maricultura.
Há cinco anos encomendei uma prancha 6’2” com um bloco de EPS reciclado, que hoje
ainda funciona perfeitamente.
Geração
Estimada Anual dos Resíduos da Indústria do Surfe
ITENS
|
MUNDO
|
BRASIL
|
FLORIANÓPOLIS
|
Produção de Pranchas
|
3.314.400
|
207.138
|
57.990
|
Resíduos Gerados (ton)
|
25.255.728
|
1.578.392
|
441.884
|
Valor em (USD)
|
505.114.560
|
31.567.840
|
8.837.680
|
Fonte: Pesquisas Projeto Marbras et Mundi (2019)
Fluxo ilustrativo do processo de reciclagem
Sensacional a pesquisa. Comecei a compartilhar da mesma angústia que você já tem desde 1990. Gostaria de poder aprender um pouco sobre.
ResponderExcluirSalve irmão! Sim a problemática é muito séria e infelizmente a variável ambiental é pouco cogitada nos processo produtivos. Aqui mesmo no blog tem o artigo abaixo que contém informações bem interessantes sobre este assunto. Confira no link abaixo, aloha! https://marbrasetmundi.blogspot.com/2014/11/producao-ecologica-de-pranchasde-surfe.html
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